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Prêmio da Música Brasileira se rende ao sertanejo de Chitãozinho & Xororó

Publicada em: 05/06/2025 12:50 - Notícias

Uma narrativa possível para a 32ª edição do Prêmio da Música Brasileira - rebatizado com o nome do patrocinador BTG Pactual - seria mais ou menos assim: historicamente identificada com certo establishment da MPB (apesar de ter surgido em 1988, premiando Rosana, Roupa Nova, os saudosos Cazuza, Roberto Ribeiro, Jessé e a Legião Urbanae com uma longa lista de homenageados post-mortem (de Vinicius de Moraes, em 1988, a Luiz Melodia, em 2018), a instituição estaria se rendendo agora ao sertanejo ao fazer honras ao talento de Chitãozinho & Xororó. Mas, hoje, em meio à agro-hegemonia dos sertanejos do século 21, com outras padronagens, outros maneirismos e obsessões, a dupla é cada vez mais percebida de outra forma. José Lima Sobrinho e Durval de Lima há muito deixaram de ser vistos e ouvidos como descaracterizadores da música caipira, são tidos e havidos como elementos autênticos da música e da cultura popular do Brasil, há até quem os carimbe positivamente com o impreciso termo "raiz".

 

O programa proposto na noite de premiação de quarta-feira, 4, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sob a batuta de José Maurício Machline e Giovanna Machline, com roteiro assinado por Zélia Duncan, atuou como uma espécie de filtro de bom gosto estabelecido, tentando equilibrar convidados de diferentes escolas e gêneros, com um sarrafo musical elevado. A dupla de apresentadores Nanda Costa e Fabrício Boliveira, desenvolta, conseguiu narrar com leveza e riqueza de detalhes a trajetória dos dois irmãos paranaenses, com mérito do texto. Os encontros e duetos, porém, tiveram resultados desiguais.

 

Amparada pelo acordeão do sergipano Mestrinho, a paranaense Carol Biazin, 28 anos, foi a primeira a cantar ao vivo, entoando o clássico caipira Tristeza do Jeca; depois vieram os matogrossenses Bruna Viola e Mayk (da dupla com o irmão Lyan), dois craques da viola, para levantar a energia com 60 Dias Apaixonado. Mayck e Lyan emendaram com o hino Coração Sertanejo, e logo voltaram Carol e Mestrinho. Como bela surpresa, surgiu Hamílton de Holanda solando ao bandolim a melodia de Chovendo na Roseira, de Tom Jobim (gravada por Chitãozinho e Xororó no álbum Tom do Sertão, de 2015).

 

Esse bloco inicial expôs bem o conceito de Machline, de mais que homenagear a dupla ou o gênero sertanejo em si, mostrar as possibilidades do repertório escolhido por Chitãozinho e Xororó ao longo da carreira. A direção musical e o Yamaha elétrico ficaram a cargo de Cláudio Paladini, que toca há 26 anos com a dupla. Ele juntou-se a três de seus colegas da banda - o baixista Alex Mesquita e os guitarristas Adilson Pascoalini e Guiza Ribeiro -, e completou o time com o percussionista Armando Marçal, o baterista Cesinha, o violonista e bandolinista Gustavo Pereira, e o acordeonista Toninho Ferragutti. Antes da parte final, os mestres de cerimônia pediram simpaticamente ao público "uma salva de carinhos para os músicos que nos encantaram", mas só citaram o nome do diretor musical. Vacilo. Menos mal que o maestro Julinho Teixeira, autor do arranjo de Evidências, recebeu uma honraria especial, o Prêmio do Músico Brasileiro.

 

No segundo número da noite, veio um encontro que funcionou muito bem: a matogrossense Vanessa da Mata com o pernambucano Fitti, mergulhando no Brasil profundo e desaguando histrionicamente no vizinho Paraguai de Galopeira (versão de tema paraguaio que foi um dos primeiros sucessos de C & X). Na emenda, investiram na teatralidade de uma Vá Pro Inferno Com Seu Amor saudavelmente rock'n'roll.

 

Fábio Jr., aos 71 anos, comoveu mais pela figura, meio pai, meio avô (e tio, como é chamado por Sandy e Junior). Mas seu dueto com a jovem e doce xodozeira Agnes Nunes foi um Fogão de Lenha em chama baixa (em que pese o beijão tascado por Fábio no rosto dela, que terminou a canção às lágrimas).

 

Os encontros que tentaram trazer o repertório para um lado cool não foram muito bem sucedidos. A versão meio bossa meio do caminho de No Rancho Fundo apresentada por João Bosco, Sandy e Mestrinho ficou bem abaixo da soma dos talentos envolvidos. Sensação do piseiro, o pernambucano João Gomes acabou sendo ofuscado pelos irmãos Mayck e Lyan na sequência Fio de Cabelo e Menino da Porteira. Lenine e Lauana Prado se esforçaram, mas sua Nuvem de Lágrimas deixou uma saudade imensa da gravação derramada de Fafá de Belém. Por algum contratempo técnico, Paula Fernandes e Tiago Iorc tiveram sua entrada no palco adiada e quase não puderam cantar Meu Disfarce - em dueto que pouco acrescentou à noite.

O repertório de Chitãozinho e Xororó pode parecer fácil, mas não é. Tem gravações e regravações muito poderosas na memória afetiva, exige entrega e verdade. Mas sempre é possível vencer com uma visão destemida e inovadora: assim ensinaram Junior Lima e o trio de R&B pop de São Gonçalo (RJOs Garotin (vencedores na categoria Revelação), que levantaram a plateia do Municipal e receberam apoio geral em um coro no final à capella.

Melhor resposta que a deles, só no gran finale com os homenageados da noite: depois de emocionar com Saudade da Minha Terra e Se Deus Me Ouvisse, Chitãozinho e Xororó, cantando muuuito, providenciaram a apoteose coletiva esperada em Evidências.

Na lista de premiados, sem grandes surpresas, teve para quase todo mundo, em 17 categorias: de Hermeto Pascoal e Amaro Freitas a Emicida, passando por Alceu Valença, João Bosco, Odair José e até Rita Lee (por Volare, Melhor Projeto Audiovisual). Nos prêmios de Sertanejo, João Gomes, em escolha pouco ortodoxa, levou como Artista, e Lauana Prado faturou por Lançamento.

 

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